Ajouté le 22 oct. 2017
A Casa de Malísia é um conto que foi escrito especialmente para dar vida a coleção de quadros que leva o mesmo nome do conto.
A Casa de Malísia
Malísia corria, seu vestido simples, de um amarelo limão gritante, que iluminava à sua volta como uma aura incandescente, refletindo a luz prateada da lua cheia que decorava o céu. A lama cobria seus pés e salpicava de marrom a barra do vestido, enquanto ela fugia da floresta pelo Vale das Bromélias. O leito do rio era escuro e denso e os passos rápidos e desesperados de Malísia reproduziam um som molhado e abafado.
Em sua mente o terror, fugia de sua vida, de todo o sofrimento e o futuro amargo que a esperava sob as cobertas do seu novo marido, o cruel e deformado Professor Teoder.
Fora dos limites das vastas terras de seu senhor, longe dos limites de Arkonis, o reino das florestas do norte, ela buscava uma pequena casinha à beira de um penhasco, o ponte mais distante de terra, de frente para o oceano. Lá Malísia passaria a noite, provavelmente sua última noite antes do inevitável.
A pequena casa era feita de pedra, argila e madeira. A porta de madeira rangeu quando Malísia a empurrou, o cheiro doce e cítrico de frutas silvestres inundou os sentidos da garota. Seu peito ainda subia e descia, ofegante, seus cabelos escuros grudados na testa e no pescoço, com o suor fazendo sua pele brilhar com a luz da noite quente. Uma rajada de vento vindo do oceano agitou o vestido de Malísia e varreu a poeira do batente.
A casa de apenas um cômodo, apesar de parecer muito antiga e inabitada a anos, estava limpa e organizada, nem mesmo teias de aranha se viam nos móveis ou no telhado. Incrivelmente uma lâmpada a óleo iluminava o interior, sobre a pequena mesa redonda, ao lado da poltrona vermelha. Mesmo que a casa não houvesse sido feita para descanso, havia uma cama em um dos cantos do cômodo, ao lado da janela. Uma cristaleira comportava espaçosamente algumas taças e garrafas de vinho. Ela vasculhou com a vista os quatro cantos do interior da casa, ainda parada no batente da porta, respirou fundo e adentrou o cômodo.
A noite passava lenta e silenciosa, o som do mar batendo e chicoteando a costa do penhasco e o vento salgado que assobiava eram os únicos barulhos que chegavam aos ouvidos de Malísia, era reconfortante. Ela estava agora sentada, a poltrona vermelha se mostrou muito confortável e, apesar de não ser dada ao álcool, Malísia já bebera meia garrafa do vinho tinto que pegara na cristaleira. No final das contas, se a lenda fosse verdadeira, e ela acreditava com todas as suas forças que era verdade, aquela seria sua última noite.
Faltavam alguns minutos para o sol clarear o céu, espalhando tentáculos de luz alaranjada por entre as nuvens. O corvo, que passara a noite toda observando Malísia da janela, ainda estava lá, inerte, parado como se estivesse empalhado, apenas piscava os olhos lentamente de tempos em tempos. A garota estava entorpecida após duas garrafas inteiras de vinho e a noite se mostrou longa, quente, ameaçadora, pois a partir de certa hora ouvia passos em volta da casa, uivos de lobos e uma sombra que persistia em habitar o canto mais longe do velho cômodo.
Malísia então ergueu a cabeça, assustada, alarmada pelo som inconfundível de cavalos correndo. Olhou para o céu, pela janela, através do corvo e viu que o dia já se apresentava. Ela pensou que se a lenda não fosse verdadeira, ela mesma tiraria sua vida, se lançando do penhasco, pois se recusava a ir para casa com seu cruel e deformado marido.
Quando os cavalos pararam em frente a casa, o corvo voou em direção a garota e no meio do vou suas asas se transformaram eu uma capa negra, e caindo pesadamente, ergueu-se, ficando de pé. Era um homem alto, de pele pálida como osso, os cabelos escuros como a noite, a capa cobrindo seu corpo. Malísia ficou paralisada diante da figura à sua frente, mas um pensamento lhe correu imediatamente, a lenda era real. Aquele corvo, o homem de capa negra, viera para leva-la, livrar-lhe do seu destino cruel. Ela ficou de pé e quando os homens do Professor Teoder invadiram a casa, a capa negra a envolveu.
Uma luz vermelha inundou seus olhos e um cheiro almiscarado a entorpeceu, sentiu um frio sobrenatural e quando o corvo a libertou, ela se viu em um novo mundo, um deserto branco e gelado. Tudo que Malísia queria era se ver livre do casamento infeliz, conseguiu, mas agora viveria naquele lugar inabitado para sempre.
