Quem é Bernardo Paz?
Bernardo Paz, figura proeminente na indústria siderúrgica brasileira e ávido colecionador de arte, fundou o Instituto Inhotim na década de 1980. Este importante marco cultural, situado em Brumadinho, Brasil, abrange uma vasta extensão de 300 mil m2, com jardins magistralmente trabalhados por Roberto Burle Marx. Detém o título de maior espaço de arte ao ar livre da América Latina.
A instalação abriga a renomada Coleção Inhotim, um centro fundamental da arte contemporânea brasileira. Possui um conjunto diversificado de mais de 500 obras de 100 artistas notáveis, incluindo Cildo Meireles, Chris Burden, Hélio Oiticica, Matthew Barney, Adriana Varejão, Marepe, Ernesto Neto, Paul McCarthy, Doris Salcedo e Miguel Rio Branco.
Segundo o site do Inhotim, em novembro de 2017, Bernardo Paz, o visionário do Inhotim, renunciou por tempo indeterminado ao cargo de presidente do Conselho. Posteriormente, no dia 27 de novembro, o Conselho Diretor do Instituto nomeou o economista Ricardo Gazel para sucedê-lo como novo presidente.
A arte tem maior poder do que a tecnologia
Nenhuma coleção pode ser apresentada na sua totalidade, mas pode funcionar como um fragmento convincente de uma totalidade única. A coleção de Bernardo Paz (Belo Horizonte, 1951) traz em sua embalagem a marca inconfundível, um jardim botânico conhecido como Inhotim (Tim era o nome do proprietário original do terreno, "Sr. Nhô ou Inhô"). Em 2002, este industrial brasileiro inaugurou em Brumaldinho, no norte de Minas Gerais, uma fundação inédita na América Latina, e a partir daí embarcou num projeto social semelhante ao empreendido pela burguesia do século XVIII, com onde se iniciou a criação de estruturas educativas, como bibliotecas, escolas, museus. Naquela época, entender o mundo era importante. E se uma obra de arte é a expressão do que acontece, Paz cria a partir deste enclave da mata atlântica – onde trabalham 600 pessoas, de curadores a jardineiros – as condições para que os artistas as realizem.
"O meu único interesse é a educação. Sou racional e não movido por paixões. Neste mundo há muitos especuladores e pessoas desonestas" "Construir um conceito. Praticar uma ideia. Viver uma experiência" é o lema deste complexo museológico cujo maior A atração é sua extraordinária reserva botânica de 70 hectares projetada pelo paisagista Roberto Burle Marx no estilo de um laboratório científico que tem permitido aos estudiosos recuperar espécies ameaçadas de extinção. Há quatro anos que o Instituto de Arte Contemporânea atrai milhares de pessoas que partilham ativamente o espírito de uma coleção muito esculpida, intimamente ligada à exuberância do espaço. Cercados por lagos artificiais e espécies botânicas raras, cerca de vinte pavilhões abrigam obras de artistas do cenário brasileiro e internacional - Cildo Meireles, Tunga, Hélio Oiticica, Adriana Varejâo, Janet Cardiff & George Bures Miller, Matthew Barney, Doug Aitken - e específicos intervenções no meio ambiente - Chris Burden, Dan Graham, Jorge Macchi, González-Foerster, Rirkrit Tiravanija, Olafur Eliasson, Simon Starling. “Comecei adquirindo obras dos anos 60, época que marcou o fim do paradigma da ideia de vanguarda. Continuei com o trabalho de criadores brasileiros dos anos 80 e 90. Hoje temos 450 obras, que são rotacionados em cada exposição", explica Paz.
PERGUNTA: Colecionar muitas vezes está intimamente ligado a motivações pessoais. O que o levou a isso?
RESPOSTA: Minha educação desempenhou um papel significativo em minha formação. Meu pai, um arquiteto patriótico, me embalava para dormir com hinos nacionais. Minha mãe, de alma sensível, foi pintora e escritora. Eles incutiram em mim os valores de disciplina e persistência. Na minha juventude, embarquei em viagens globais. Um momento crucial ocorreu em 1970, em Acapulco, onde encontrei um jardim hipnotizante com uma orquestra ao vivo e pessoas dançando que irradiavam felicidade. Isso me inspirou, me levando a pensar: “Quero criar algo assim”. Essa epifania influenciou toda a minha vida. Depois, segui carreira em siderurgia industrial e mineração. No entanto, rapidamente percebi a futilidade deste mundo, dominado por disputas inteligentes mas especulativas. Assim, deleguei minhas responsabilidades comerciais a outras pessoas e me afastei. Em meados dos anos 90, junto com meu amigo Burle Marx, idealizamos o Inhotim.
P: Em vez de documentar toda a carreira de um artista, a sua coleção parece concentrar-se em representá-lo através de obras singulares e de grande escala.
R: Não me vejo como um colecionador ou patrono tradicional. Sou um indivíduo comum que aspirava criar um “espaço” para o envolvimento público. Portanto, é fundamental que as obras sejam substanciais e inovadoras, oferecendo tanto um experimento quanto uma experiência aos visitantes. Minha jornada começou construindo pavilhões ao lado de amigos arquitetos, começando pelo de Tunga (True Rouge, 1997), seguido por Cildo Meirles e outros artistas brasileiros. Inicialmente cético quanto ao interesse público pela arte contemporânea, fiquei comovido com as reações entusiásticas das crianças, reafirmando a minha crença na visão e no poder da arte, superando até mesmo a tecnologia.
P: Quem foram seus mentores e conselheiros nesta jornada?
R: Em 2001, Marian Goodman, renomada galerista nova-iorquina, visitou Inhotim. Sua admiração a levou a me aconselhar sobre a importância de buscar orientação especializada e confiar na minha intuição. Ela me apresentou ao historiador Allan Schwartzman, que agora atua como curador-chefe baseado em Nova York. Também colaboro com Jochen Volz e Rodrigo Moura, garantindo estar bem informado e atualizado.
P: Você recebeu apoio de particulares ou do Governo de Minas Gerais?
R: Minha jornada com o Inhotim foi solitária. Apesar de estar no estado mais conservador e negligenciado do Brasil, perseverei sem apoio externo substancial. Os desafios financeiros fizeram parte da minha jornada, mas o medo nunca me deteve. Acredito que sem determinação a inteligência é ineficaz. Para sustentar meu projeto, vendi peças de arte moderna e contratei moradores locais de Brumaldinho, muitas vezes contrariando os conselhos de minha família e amigos. Reinvesti todo lucro na criação de obras de arte e no estabelecimento da fundação. Inhotim é um marco global único, que personifica a essência do Brasil. Os críticos podem considerar-me perigoso, mas o seu cepticismo apenas alimenta o meu compromisso com as contribuições sociais.
P: Tendo emprestado obras de arte a instituições de prestígio como Tate, Reina Sofía e Macba, o que você acha dos museus que priorizam o consumismo em detrimento dos valores educacionais?
R: Os museus devem servir principalmente um propósito educativo, oferecendo informações sobre a nossa história e cultura. A arte, incluindo as formas contemporâneas, desempenha um papel crucial nesta jornada educativa. Contudo, a vaidade de alguns diretores de museu pode ser prejudicial, corroendo lentamente o verdadeiro propósito da instituição.
P: Como colecionador, como você lida com as pressões do mercado de arte?
R: Embora alguns colecionadores possam comprar arte para obter status, minha abordagem como empresário é motivada exclusivamente por fins educacionais. A racionalidade me guia, não a paixão. O mundo da arte, como muitos outros, está repleto de especuladores e desonestidade. No entanto, existem profissionais transparentes e genuínos. Escolher os associados certos é crucial. Muitos artistas são meros produtos de críticas tendenciosas ou de agendas curatoriais. No entanto, essas influências são transitórias.
Uma exploração aprofundada do Inhotim no Brasil
Numa conversa com o Los Angeles Times, o industrial e entusiasta da arte Bernardo Paz descreveu o seu museu de arte contemporânea ao ar livre como um destino transformador. Situado em 5.000 acres da exuberante selva brasileira, o Inhotim é mais do que um local de arte; é uma experiência abrangente que combina arte contemporânea com um jardim botânico, um refúgio espiritual, um centro de exploração científica e um centro de atividades culturais. Tony Perrottet, do Wall Street Journal, comparou Inhotim a uma "variante brasileira moderna dos paraísos da arte pastoral da Europa do século XVIII". A jornada de Paz no colecionismo de arte começou com peças modernistas brasileiras, um caminho que ele embarcou instintivamente após deixar suas funções empresariais após um acidente vascular cerebral em 1995. Sua incursão na arte contemporânea foi desencadeada por um encontro com o artista carioca Tunga, levando-o a liquidar toda a sua coleção de arte modernista brasileira para um novo começo. Em 2002, sua residência privada tornou-se um repositório de arte, o que o levou a consultar a autoridade artística de Nova York, Allan Schwartzman. Schwartzman o aconselhou a focar na encomenda de obras únicas e específicas do local, enfatizando a importância de criar uma experiência exclusiva de Inhotim, “digna da viagem”.
Hoje, o acervo de Paz ultrapassa 500 obras, sendo 110 expostas em 21 pavilhões de arte perfeitamente integrados à paisagem natural brasileira. Cada pavilhão é uma maravilha arquitetônica por si só, misturando-se harmoniosamente com a flora e a fauna circundantes. Reconhecido pelo governo brasileiro como jardim botânico oficial, a diversidade vegetal do Inhotim inclui mais de 4.500 espécies, com uma variedade significativa de palmeiras nativas. O aspecto botânico é um componente crítico da experiência do Inhotim. Como observa Allan Schwartzman, Inhotim mescla arte com um ambiente enriquecedor, apresentando cinco lagos decorativos, cada um colorido exclusivamente por algas naturais, variando do turquesa profundo ao esmeralda vibrante. Aberto ao público em 2006 por Bernardo Paz, Inhotim desde então continuou a evoluir rapidamente para uma “massa terrestre utópica”. Os planos futuros incluem a introdução de hotéis e restaurantes, com o primeiro previsto para abrir ainda este ano. Paz vê o Inhotim como uma entidade autossustentável, destinada a perdurar além de sua vida, projetando seu legado “por mil anos”.
Entrevista com Bernardo Paz
Quando você comprou pela primeira vez uma obra de arte contemporânea? Estaria isto ligado a uma escolha intencional de se tornar um “colecionador”?
Minha aquisição inicial que se alinhou com a visão do Inhotim foi o Bisected Triangle, Interior Curve, de Dan Graham, comprado em 1995. Na época desta compra, eu não estava focado em me tornar um colecionador no sentido tradicional. O meu objetivo era estabelecer um espaço público para a arte, acessível aos visitantes, onde a arte e a natureza pudessem interagir. Essa vontade de criar o Inhotim, e não a ambição de construir uma coleção, foi minha principal motivação.
Existe algum tema, conceito ou grupo de artistas específico que sua coleção representa?
A coleção do Inhotim reflete a contemporaneidade, captando a essência da nossa era atual e servindo como um espelho da história contemporânea. Embora Inhotim seja conhecido por suas peças site-specific, nosso acervo é diversificado, abrangendo pinturas, instalações, esculturas, obras sonoras, fotografias – uma ampla gama de formas artísticas.
Como colecionador de arte, que funções você acredita ter?
Embora eu seja um colecionador de arte, não me vejo como tal no sentido convencional. Meu principal compromisso é com o público, garantindo que o acervo tenha repercussão significativa em quem visita Inhotim. O desenvolvimento e o crescimento da coleção são continuamente voltados para aprimorar a compreensão estética, crítica e política do nosso público.
Qual foi a obra de arte ou conceito mais complexo ou exigente a ser implementado na extensa paisagem do Inhotim?
A instalação do Beam Drop Inhotim destaca-se como particularmente desafiadora. Nossa interação com Chris Burden, um artista que questionou consistentemente a sociedade moderna e seu próprio estilo de vida, foi notável. Beam Drop Inhotim, de significado simbólico, é uma das instalações mais icônicas do parque. Envolveu uma enorme operação logística com inúmeros caminhões, vigas e guindastes, deixando uma impressão duradoura na equipe, no artista e no legado da instituição.
Inhotim passou a sediar o Museu de Arte Negra a partir de 4 de dezembro de 2021, pelo período de dois anos, conceito idealizado pelo poeta, artista e político brasileiro Abdias Nascimento. Você poderia detalhar esta iniciativa?
A colaboração entre o Inhotim e o Ipeafro, organização que supervisiona o legado de Abdias Nascimento, marca um momento histórico. As instituições artísticas estão numa fase de reavaliação dos seus papéis e de determinação de como permanecerem relevantes na vida das pessoas. Isto requer parcerias inovadoras e estratégias de exposição para envolver públicos diversos. Abdias estava à frente de seu tempo na abordagem do racismo, incorporando diversos elementos sociais. O Museu de Arte Negra (MAN) do Inhotim altera a dinâmica de artistas, público e stakeholders. Representa uma contemplação da interação da arte com questões contemporâneas.
Até que ponto o Inhotim prioriza a apresentação de histórias e narrativas indígenas e brasileiras ao lado de suas exposições internacionais?
A coleção do Inhotim abraça uma perspectiva global no âmbito da arte. As histórias e narrativas que apresentamos não se limitam a ser “brasileiras”; eles são diversos e multifacetados.
Quais são as suas aspirações para o mundo da arte após a pandemia de Covid?
Mudanças significativas no comportamento e no estilo de vida são inevitáveis. A pandemia alterou fundamentalmente a forma como as pessoas interagem com o seu ambiente e a tecnologia, e estamos apenas a começar a ver a extensão destas mudanças. Há uma preferência crescente por espaços abertos e naturais onde as pessoas possam estabelecer novas conexões com a vida selvagem e a vida vegetal. No contexto do Inhotim, essa inclinação é ainda mais profunda, pois a experiência ao ar livre é enriquecida pela presença da arte. O Inhotim representa o museu de amanhã.
Você poderia compartilhar uma experiência particularmente memorável do Instituto Inhotim ou de sua trajetória como colecionador?
O momento mais memorável ainda está para acontecer; está sempre no futuro.
Que coleção particular aberta ao público você sugeriria que as pessoas visitassem?
Na minha busca por permanecer imparcial, contratei consistentemente profissionais altamente qualificados em todo o mundo, valorizando as suas contribuições. Pessoalmente, não visito outras coleções. O Inhotim se destaca, imune às influências externas.
Alguns problemas com a lei
Um dos veredictos mais surpreendentes em um caso envolvendo o cenário da arte contemporânea brasileira foi anulado. Em 2020, o tribunal federal de apelações de Brasília chegou a uma decisão unânime, exonerando Bernardo Paz, o único colecionador do Instituto Inhotim, um vasto parque de esculturas que exibe uma ampla gama de arte contemporânea internacional, de acusações de lavagem de dinheiro.
Em novembro de 2017, um tribunal federal de primeira instância em Belo Horizonte condenou Paz, figura proeminente na lista dos 200 melhores colecionadores da ARTnews de 2002 a 2017, a nove anos e três meses de prisão por acusações de lavagem de dinheiro relacionadas a Inhotim. Essas acusações originaram-se de uma denúncia criminal apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Federal do Brasil. A irmã de Paz, Virgínia de Mello Paz, também foi condenada, recebendo pena de cinco anos. A recente decisão também a absolveu. A denúncia do MPF afirmava que, em 2007-2008, um fundo de investimento chamado Flamingo canalizou US$ 98,5 milhões para a Horizonte, uma empresa que Paz havia criado para apoiar a organização sem fins lucrativos Instituto Inhotim. No entanto, foi alegado que este financiamento foi, na verdade, utilizado para despesas comerciais e dívidas de Paz, incluindo as de cerca de 30 empresas mineiras, e não para a manutenção do museu.
Após o veredicto, surgiram outras alegações contra as empresas mineiras de Paz, incluindo reclamações por trabalho infantil. Em maio de 2018, Paz renunciou ao conselho de administração do Inhotim. Embora ainda possua parte significativa do acervo, negociou com o governo do estado de Minas Gerais a transferência de 20 obras, incluindo peças de Barney e Kusama, ao estado para saldar uma dívida tributária. Essas obras permanecem no Inhotim sob condições específicas garantindo sua manutenção e proibindo sua venda ou relocação.
Em declarações ao Estadão de S. Paulo, diário brasileiro, no início deste mês, Paz refletiu sobre suas lutas pessoais e familiares durante esse período. Ele mencionou sua relutância em retornar ao Inhotim, afirmando que era cedo para tais decisões. De acordo com a legislação brasileira, Paz não foi obrigado a cumprir a pena imediatamente devido à natureza do crime e aguardava o resultado do recurso.
Embora tecnicamente o MPF ainda possa recorrer da última decisão, Paz considera que isso é improvável devido à natureza unânime da decisão e à raridade de tal medida. O MPF ainda não anunciou planos de recurso.
O advogado de Paz, Marcelo Leonardo, criticou a lógica da denúncia original em reportagem do O Estadão, argumentando que a suposta lavagem, ligada a uma organização criminosa, não fazia parte da legislação brasileira até 2013, seis anos após as supostas infrações. Leonardo concluiu afirmando que a justiça foi feita.